Na Costa do Desfiladeiro
- Eduardo Worschech
- 27 de fev. de 2023
- 3 min de leitura

A aparente revelia ou como continuar destruindo
Uma explosão típica de contrações espasmódicas emocionais desencadeia um terremoto irracional de grau elevado. Os tremores se alastram e consomem a calmaria territorial adjacente, abalando tudo e a todos. Um edifício não muito longe, mas distante em discernimento, mantém-se intacto em sua compleição, exalando cinismo e sarcasmo diante das ‘falhas' familiares.
De altura mediana e olhos como janelas com vista para o mar, os ventos não incomodam- o, e as pressões não estremecem o solo onde pisa. A reverberação que chega a ele são filtradas por um leve toque de poesia e crítica, flores e bisturi. Nesta exumação, borboletas saem de seus casulos e uma linha tênue se desenha diante de si, demarcando uma trilha que não precisará ser seguida para ser encontrada; benefício de já estar ali e poder observar de luvas tudo aquilo.
O choque das placas não ocorreu de forma natural, como poder-se-ia supor. Um forçado e longo processo já tinha sido desencadeado, desde duas gerações, no mínimo. Esta imprecisão na demarcação temporal não é por descuido, mas por desabamento familiar e suas vicissitudes; nada escapa ileso.
Não há nada que possa se fazer, o passado já se foi e o presente ainda é; uma covardia parece estar sempre a espreita quando um evento extremo como este ocorre; a suspeita é de que a extremidade já estaria ali desde sempre, extrema unção a um condenado.
Ainda diante desta temporalidade tripartite, o futuro aparentaria ser o descampado necessário, a utopia desejada, mas nunca encontrada. O fator explicativo talvez emerja das profundezas da fenda que se alastra por dezenas de sujeitos, cruzando fronteiras existências e impondo um ciclo de difícil ultrapassagem, dada a ordinária condição que viceja deste mesmo solo em comum.
Logo, futuro que se resguarda é aquele que de perto convive, mas não compartilha. Por estes veios a chuva corre e mantém sempre limpo a natureza bruta, sem intermédios lapidadores, melhoradores da humanidade.
Há uma equação que conjuga bem o resultado conclusivo desta natureza pérfida em processo: com dois cadáveres se faz um punhado de terra. Com insistente espreita, os loquazes comentadores da morte, adoradores sagazes da antivida, coveiros narrativos; se demoram em apontar com seus dedos gangrenados os feitos alheios, inveja do sangue que corre nas veias.
Não se sabe porque aqui está, nem para onde vai; então, continua a pós-existir como parasita da carne e das almas, senhor neste mundo sem extratos, de rasteira compleição e mórbido espírito.
A escrita não contém qualquer bio, muito menos hagio; mas os rituais são exaustivamente percorridos, como se em seu excesso pudesse haver exuberância. Tolice que agrada todo aquele que muito deve e nunca poderá pagar. A confissão explicita uma expiação, mas não aceita, pois acredita-se ser uma culpa do outro, e não de si: pecado subsumido.
Voltando ao presente, a pena temporal é jogada para debaixo do tapete, e nem com as maiores quantias ela será sanada; o purgatório está próximo.
Não é de se estranhar que este declive impeça quaisquer equilíbrios, uma labirintite ontológica e provincial; assim, as enfermidades decorrentes deste quadro genealógico transcorrem e assentam deficiências transmissíveis, chagas depurativas.
Um desejo mórbido de procriar e destruir, punição crônica que reverbera desde a antiguidade; devora- te ‘meu querido’. Aquele da terceira geração que escapa aos desatinos do destino não sucumbi a vingança; rompe com a passagem do tempo e as limitações da vida mortal.
O fortalecimento defensivo inevitavelmente passa pelos ferimentos em duplo: como ferida que comprime a alma, desfigura e conduzem ao mal; e aquelas que avivam nosso crescimento. A amargura sem aviso vem a tona, angústia em convergência que habilita seu possuidor a trocar de trilhos; pretexto que não se conjumina com a díade mais ou menos, mas do crescimento pela via da sublimação.
Nenhuma liquidez pode ser encontrada aqui como fluxo ou diagrama diagnóstico, pois a passagem das cadeias rochosas rígidas e densas ao incorpóreo tem custado todo uma vida.
Aí de todos que aqui permanecemos, sermos tragados pelo abismo que olha e nos julga, que por muito faz sentir um aconchego, uma mortuária condição familiar e aprazível, pois ali se fez morada e guardará contigo para o tempo que restar uma cama para se deitar; cuidado com as pernas e a cabeça.
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